domingo, 13 de fevereiro de 2011

A DOR, AS DORES, UM BRINDE

Quase sempre quando vou caminhar na praia encontro um senhora X, aparentando oitenta anos, na sua cadeira de rodas. E a sua gorda enfermeira a empurrar a cadeira, sem nem saber porque está ali. E ela me olha. Sempre. Ela é quase um vegetal, no entanto ela me olha. E no seu olhar vem a frase fulminante " me mata". Passo a correr, não mais a andar, porque concordo com ela.
Aprendi a gostar de filosofia vendo os episódios inocentes de "Além da Imaginação", onde concebia conversar com a alma e o espírito de outras pessoas. Num desses episódios tinha uma frase que me assombra até hoje os sentidos "tudo o que você está deixando para trás é a solidão". Ao expurgar as dores físicas e mentais esvaziamos a sensação de solidão. Na sexta fui a um bar conversar sobre as minhas dores e sobre a situação que havia provocado as dores. Não é a outra pessoa que que provoca a dor. Na realidade talvez a pessoa nem interesse mais, mas interessa o amor que sentíamos por ela, aquele amor que nos justificava como seres humanos, que nos colocava dentro das estatísticas: “Eu amo, logo existo”. Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância.
E no bar, diversas senhoras X tinham aquele mesmo olhar. Comentei isso e recebi um forte reprimenda de que não existe prazo de validade para a felicidade e para se viver.
A vida é uma loteria - não é a toa que os jogos são chamados de imposto dos estúpidos - e sempre perdemos para a casa ou para a banca. Quem é a banca? Estamos sempre apostando nas relações, nos empregos, no dinheiro e deixando tudo para a banca. "Ou, então, talvez seja possível amparar a verdade, preservá-la de nossas próprias motivações. Podemos, por exemplo, desconfiar de nossas idéias, sobretudo quando nos sentimos particularmente satisfeitos com o entendimento da realidade que elas nos proporcionam. Pois a verdade (com o curso de ação que, eventualmente, ela "impõe") é geralmente pouco gratificante e de acesso trabalhoso". A própria morte das senhoras Xs resolve um conflito interno insolúvel entre a ideologia de viver e a emoção. Um brinde as dores.